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Disclaimer:
“Other World” é uma web-série independente, cuja a autoria
pertence à Lilian Kate Mazaki, publicado originalmente no blog
http://otherworld-serie.blogspot.com.br
Other
World – Capítulo 8
O
primeiro dia
por Lilian Kate Mazaki – novembro
2013
Quando os quase mil jovens
atravessaram o precioso portal que ligava os dois mundos,
praticamente todos exclamaram com fascínio com a visão que tiveram.
O salão principal da base humana no Outro Mundo era uma gigantesca
metade de esfera, sendo completamente coberta apenas de vidro na
metade em frente ao portal. Uma camada de grande espessura do vidro
mais transparente e reforçado que o homem era capaz de fabricar.
Então quando se chegava à base a primeira coisa que se via era o
deserto sempre claro que existia além dos limites que o corpo humano
era capaz de suportar. Uma paisagem morta muito semelhante às
existentes na Terra, mas que despertava a admiração e curiosidade
extremas, pelo fato de ser em algum lugar completamente diferente,
que sequer sabia dizer ser outro planeta ou outra dimensão paralela
ao Universo.
A base era estruturada da seguinte
forma: havia o prédio central que se erguia acima e abaixo do salão
de entrada por dezenas de andares. Nos superiores haviam escritórios
para os engenheiros e laboratórios de tecnologia avançada. No
subterrâneo estava a estrutura computacional que controlava a
sobrevivência dentro da base. Um mainframe de toneladas que se
espalhava por centenas de metros quadrados. Também na parte abaixo
da superfície ficavam os laboratórios para testes mais rigososos e
até perigosos, que incluiam muito da misteriosa tecnologia que seria
usada no Plano de Treinamento dos Soldados Delta.
Toda essa estrutura já estava ali,
plantada no deserto do Outro Mundo, a quase quarenta anos, porém a
base havia sido substancialmente ampliada na última década, por
causa exatamente do futuro recrutamento dos soldados. Cinco pavilhões
independentes foram construídos e acoplados ao prédio central,
sendo nomeados com letras do 'a' ao 'e'. Cada um dos pavilhões
tinha a capacidade de receber duzentos jovens para residir ali pelo
tempo que fosse necessário. Também haviam refeitórios e salas de
estudo em cada um dos braços da base. Também instalações
individuais para os treinamentos dos recrutas eram presentes em cada
um dos blocos, fazendo com que os mesmos fossem, em somatório, muito
maiores do que o prédio original da base.
Além de servir para o propósito do
Plano, aquela construção também havia sido uma prévia do que era
o plano da OMM para o futuro da organização. Dentro de quatro anos
eles pretendia iniciar a construção de novas bases humanas
completas, espalhadas por um território cada vez maior do Outro
Mundo. Seria o início da conquista daquele novo local. A esperança
da humanidade de encontrar novos recursos para sustentar o
crescimento dos próximos dois milênios.
Mari Ritcher caminhava sem pressa
pelos largo corredor do segundo andar do bloco B. Grupos de jovens
entre os treze e dezesseis anos passavam acompanhados de instrutores
que os guiavam até seus dormitórios. Ainda que os funcionários
tentassem fazer comentários interessantes sobre o projeto que
acabava de ter sido iniciado oficialmente à duas horas, ainda na
Terra, no hall do edifício administrativo da OMM, os recrutas não
pareciam ser capazes de ouvir uma palavra sequer. Seus olhares
estavam perdidos na paisagem desértica que se via através das
paredes externas da base, também revestidas por vidraças
transparentes, com mais de três metros de espessura. A paisagem real
do Outro Mundo.
Graças à suas tarefas punitivas que
realizou ao longo dos últimos oito meses, a sensação de estar no
Outro Mundo não surpreendia mais Mari. Com alguma frequência ela
chegava a se questionar se não estaria na verdade em alguma parte do
oriente médio, devido à aridez aparente da paisagem que se podia
enxergar de todos os lados.
Ignorando a reação exagerada de um
grupo numeroso, a jovem de cabelos alourados tomou um dos corredores
que se abria do principal e adentrou ao quarto de número duzentos e
quinze:
― Nossa, eu achava que eu tinha
saído um tanto antes do final do discurso, mas você venceu. ―
disse a garota, surpresa ao ver sua companheira de quarto deitada em
sua cama confortável, virando as páginas de um livro grosso. ―
Você chegou a ir até a cerimônia oficial, Juliana?
Juliana Lake e Mari Ritcher haviam se
tornado companheiras de quarto desde a segunda semana em que a orfã
dos engenheiros Lake passara a viver sob a custódia da OMM. Sem ter
ideia do que fazer com a adolescente, os responsáveis dos recursos
humanos imaginaram que talvez a companhia de alguma pessoa de idade
próxima lhe faria bem, então a despacharam para a fortaleza do
Outro Mundo para dividir espaço com a mais nova estagiária senior
da área de computação.
Só que Juliana tinha a habilidade
extraordinária de parecer completamente alheia a tudo ao seu redor,
o tempo inteiro. Essa capacidade havia feito sua relação com Mari
se desenvolver de maneira muito lenta. A hacker ficava surpresa com
qualquer reação ou par de frases que a outra dissesse. Era quase
como testemunhar a realização de todas as teorias de evolução das
espécias diante dos próprios olhos. Juliana estava melhorando pouco
a pouco, a outra acreditava que dentro de algumas centenas de anos
apenas e ela estaria agindo como uma pessoa tímida comum:
― Fui sim. ― respondeu a morena,
sem tirar os olhos das páginas do livro que segurava com os braços
esticados para cima. A conversa terminou por aí.
Sem muita criatividade para puxar
assunto, Mari sentou-se à mesa do seu computador e encaixou uma
pequena plaquinha de metal na estrutura lisa do seu bracelete de
vidro ao redor do pulso direito. Depois começou a digitar
freneticamente, inserindo os endereços e logins do sites que
costumava frequentar todos os dias.
― Por que você usa esse computador
se é tão boa em usar o sistema neural? ― perguntou Juliana,
assustando a outra, que havia esquecido de sua existência. Mari
virou-se na cadeira de rodinhas e viu que a outra estava virada para
a parede enquanto lia. A pergunta havia sido perspicaz, porém o
pensamento rápido da outra formulou o desafio-resposta
imediatamente.
― Por que você lê esses livros de
papel se tem o sistema neural? Poderia simplesmente projetar o texto
numa folha de papel, ou até na parede, e não cansaria os braços.
Juliana virou-se enfim para a encara a
outra, com as sobrancelhas ligeiramente franzidas. Sentou-se
inclusive, antes de responder:
― É mais simples. Ficar usando o
sistema pra isso seria mais cansativo depois de um tempo.
― Exatamente. ― concordou Mari,
apontando o indicador para o auto. ― Sabe, ver as coisas por uma
perspectiva mais simplista ajuda o cérebro a relaxar. ― explanou
com uma certa pompa teórica que facilmente lhe escapava na fala. ―
Só tem uma coisa que eu realmente não entendo.
― O que?
― Você realmente puxou uma conversa
fiada, Juliana? Eu não sabia que já haviam inventado isso no
Planeta Lake.
― Tsc. ― Juliana estalou a língua
dentro da boca e se jogou de volta no colchão, dando sinal de que
não se pronunciaria mais depois daquela brincadeira. Mari voltou-se
rindo para a tela do computador.
Matheus e Sara acompanhavam Tiago por
entre as inúmeras mesas do refeitório dos recrutas. O garoto havia
localizado com o olhar ao longe os filhos de um colega militar do seu
pai e insistiu com os amigos que gostaria de ir falar com eles:
― Oi! Fábio! Daniel! Oi! ―
cumprimentou o jovem enquanto finalmente se aproximava o bastante dos
irmãos que estavam sentados sozinhos em uma mesa no canto.
― Tiago Barbosa. ― cumprimentou o
irmão mais velho, levantando-se para dar um aperto de mão em Tiago.
Aquela atitude pareceu extremamente formal para Matheus e Sara, que
se entreolharam.
― Faz um tempão que agente não se
vê, não é Fábio? ― cumprimentou de volta Thiago, estendendo a
mão com naturalidade para apertar a do outro. ― E você, Daniel,
com tá?
O rapaz mais novo, que aparentava ter
uns treze anos, enquanto o irmão deveria ter por volta de quinze,
sorriu um tanto tímido e respondeu:
― Estou bem sim, Tiago.
― Ei, queria apresentar pra vocês
meus melhores amigos. Esse aqui é o Matheus Alabart e essa é a Sara
Silveira. Os pais deles também trabalham para a OMM. ― apresentou
Tiago. Matheus notou que o amigo parecia estar adaptando seu jeito de
falar para tratar com Fábio, que tinha uma postura séria.
― Ah, Tiago, minha mãe trabalha no
setor de pessoal da OMM, nem dá pra se orgulhar muito disso. ―
disse Sara, um tanto sem jeito, talvez pressionada pela seriedade de
Fábio.
― A área de comunicação é
importante sim! ― insistiu Tiago, com um tom quase ofendido que
tirou risadas do grupo, a exceção de Fábio.
― Eu sou Fábio Ivanoff e este é
meu irmão mais novo, Daniel. ― apresentou o mais mais velho. Ambos
tinham cabelos e olhos escuros intensos. Os cabelos de Fábio tinham
um comprimento que passa um pouco o seu queixo fino.
― Ivanoff? O almirante? ―
admirou-se Matheus, que conhecia o sobrenome dos telejornais.
― Exato. Nossa família tem tradição
em seguir a carreira militar. ― confirmou Fábio, com seriedade. ―
Nós dois seremos os primeiros a fazer parte da nova força existente
no planeta. Exploraremos o Outro Mundo.
O tom de discurso de Fábio deixou os
outros, incluindo seu irmão mais novo, um tanto deslocados e o
silêncio acabou se seguindo a isto. Tiago foi quem tomou a
iniciativa de puxar algum outro assunto para quebrar aquele gelo que
se formou:
― Então, vocês estão ansiosos
pelo inicio dos treinamentos amanhã?
― Não diria que ansioso é a
palavra que melhor define o começo de um treinamento militar
potencialmente severo. ― respondeu Fábio, com um tom um tanto
ríspido. ― Apesar de hoje estarem todos sorridentes e animados,
não estamos em uma colônia de férias. Estamos nos preparando para
dar nossas vidas em prol da conquista humana.
Tiago desistiu de qualquer conversa
descontraída com os irmãos Ivanoff depois dessa resposta realista e
fria. Depois disso seu ânimo decresceu visivelmente aos olhos de
seus amigos, o que fez Matheus questionar se o amigo não estaria até
então se iludindo sobre o Plano, assim como mencionara o gélido
Fábio.
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